Os quilombolas de Alcântara, no Maranhão, obtiveram uma vitória histórica na Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH). Em sentença divulgada na tarde de quinta-feira (13), a corte internacional decidiu que o Brasil violou os direitos humanos de 171 comunidades quilombolas do município ao fazer a instalação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) – uma base de lançamento de foguetes, que levou à remoção das famílias.
Para a Corte Interamericana, a não titulação do território quilombola e a ausência de consulta prévia, livre e informada às comunidades quanto a medidas que poderiam afetá-las constituíram violações de direitos pelo Estado brasileiro.
Na visão do tribunal, o “projeto de vida coletivo” das comunidades foi afetado pela falta de acesso à Justiça, e o Brasil “não adotou medidas suficientes para reverter a situação de discriminação estrutural em que se encontram as comunidades”.
A Corte IDH determinou que o Estado deve pagar uma indenização de 4 milhões de dólares às comunidades afetadas, destinando o montante à associação que representa as vítimas. Também deve titular os 78.105 hectares das comunidades e realizar consultas prévias, livres e informadas sobre medidas que as afetem, além de promover um ato público de reconhecimento de sua responsabilidade e instalar uma mesa de diálogo permanente em comum acordo com as comunidades.
O resumo e a íntegra da sentença estão disponíveis no site da Corte.
Para Melisanda Trentin, da ONG Justiça Global, uma das peticionárias, a decisão atendeu às expectativas das organizações que levaram o caso à Corte. “[A sentença] é uma vitória imensa e muito significativa para a luta quilombola no Brasil. As comunidades quilombolas de Alcântara esperam há anos pelo reconhecimento do seu direito ancestral ao território. Hoje, pela primeira vez em um tribunal internacional, esse direito foi reconhecido”, afirma. Trentin é coordenadora do programa de Justiça Socioambiental e Climática da ONG.
Outro peticionário do caso junto à Corte IDH, o cientista político e quilombola de Alcântara Danilo Serejo, também celebrou a decisão do tribunal, que condenou o Brasil mesmo após o que ele chamou de “tentativas de esvaziar o conteúdo da sentença”. “É uma vitória histórica e um importante precedente para a proteção dos direitos das comunidades quilombolas no Brasil”, diz. Essa foi a primeira vez que o Brasil foi condenado por um caso envolvendo quilombolas na Corte Interamericana.
O CLA foi iniciado pela ditadura militar ainda nos anos 1970. Ao longo da década seguinte, mais de 300 famílias quilombolas foram removidas compulsoriamente para a construção do projeto, ligado à Força Aérea Brasileira (FAB). Desde então, as comunidades quilombolas de Alcântara lutam pela titulação de seu território e denunciam violações de seus direitos.
O caso chegou à Corte IDH em janeiro de 2022, após mais de duas décadas tramitando no Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em abril de 2023, quando o tribunal internacional promoveu uma audiência sobre o caso, o Estado brasileiro reconheceu parcialmente as violações cometidas e manifestou um pedido de desculpas. No ano seguinte, promoveu um acordo, se comprometendo a não expandir a base de lançamentos e a titular o território até o fim do atual governo.
As medidas, no entanto, foram vistas com ressalvas pelos peticionários na época e não dissuadiram o tribunal internacional de considerar o Brasil responsável por violações de direitos humanos no caso.
Alcântara, localizada na região metropolitana da capital do Maranhão, São Luís, tem 85% de seus 18,4 mil habitantes autodeclarados quilombolas e é a cidade do país com maior proporção dessa população, segundo dados do Censo 2022 do IBGE.
A decisão no caso dos quilombolas de Alcântara é a 18ª condenação do Estado brasileiro na Corte IDH. Violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar e em chacinas policiais, assim como episódios de trabalho escravo, violência contra trabalhadores rurais, feminicídio e racismo estão entre os casos em que o Brasil foi condenado.
Cumprir as decisões da Corte IDH é uma obrigação dos Estados que reconheceram sua competência. O descumprimento não gera consequências diretas como em um tribunal nacional (que pode acionar forças policiais para cumprir um mandado de prisão, por exemplo), mas gera constrangimentos e pode manchar a imagem do país perante a comunidade internacional.