Elogiado por Lula, empresário é investigado em esquema que causou prejuízo de R$ 830 mi

Fundador e presidente do Grupo Cedro, o magnata da mineração Lucas Prado Kallas, que integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico Sustentável da Presidência da República, o “Conselhão”, é investigado pela Polícia Federal (PF) por participar de um esquema de extração ilegal de minério de ferro na Serra do Curral, patrimônio histórico de Belo Horizonte.

Kallas e outros dois empresários teriam utilizado um Plano de Recuperação Ambiental de Área Degradada (PRAD), firmado junto a órgãos de controle, como fachada para expandir a exploração mineral por mais de dez anos em área tombada.

O esquema, segundo a PF, teria contado com o apoio de dois servidores da Agência Nacional de Mineração (ANM): Leandro Cesar Ferreira de Carvalho, que era gerente regional da ANM em Minas Gerais, e o superintendente substituto de segurança de barragens de mineração Claudinei Oliveira Cruz. Funcionários de carreira, eles foram exonerados dos respectivos cargos em primeiro de abril, sob a suspeita de “peculato, corrupção e/ou advocacia administrativa”.

Por que isso importa?

  • Empresário elogiado pelo presidente é investigado pela Polícia Federal, já foi alvo da corporação em 2008 e está à frente de empresa com investimento bilionário em porto no Rio de Janeiro.

A ANM é uma autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia, comandado desde janeiro de 2023 por Alexandre Silveira, mineiro e próximo de Kallas. A irmã e sócia de Kallas na Cedro, Francine Prado Kallas, doou R$ 990 mil para o Partido Social Democrático (PSD) nas eleições de 2022, quando Silveira disputou uma vaga ao senado pelo partido. No pleito de 2024, ela repassou R$ 1 milhão para a legenda. Por meio de nota, Lucas Kallas disse que a doação, “foi feita para o PSD Nacional, em caráter pessoal e seguindo a legislação eleitoral, sem qualquer vinculação com o ministro”.

Deflagrada em 28 de março, a Operação Parcours apura irregularidades nas atividades da Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra) na mina Curumi entre 2014 e 2025. Os agentes relatam, em documento ao qual a Agência Pública teve acesso, que a companhia, sob o subterfúgio de recuperação ambiental, retirou minério da área sem autorização prévia, causando impactos irreversíveis ao meio ambiente, com prejuízo estimado de R$ 832 milhões.

Além disso, a empresa deixou de arrecadar cerca de R$ 11 milhões em Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). O caso é descrito no relatório pela PF como uma “distopia ambiental”.

Segundo as investigações, o esquema teria começado após a entrada de Kallas, Luis Fernando Franceschini e Bruno Luciano Henriques na sociedade da Empabra, em 2013, por meio da Companhia Mineradora Ferro Phoenix – que posteriormente passou a se chamar Green Metal Soluções Ambientais. Até então, a Empabra estava sob o comando de Juarez de Oliveira Rabello e João Henrique Pereira.

A PF apurou que os dois venderam suas cotas em 2014 para os novos sócios após desavenças, uma vez que Kallas e Franceschini “queriam que houvesse retirada de maior quantidade de minério (finos), em desacordo com o previsto no PRAD, dentre outras questões que não concordavam”.

O dono mais antigo da Empabra, André Maurício Ferreira, relatou à PF que vendeu sua parte do negócio, em 2016, “receoso de futuros processos de responsabilização”. Segundo Ferreira, além do contrato de venda, firmou um termo de transação em que o grupo comprador – Kallas, Franceschini e Rabello – assumia a responsabilidade por futuras ações civis “por atuação irregular na área da mina Corumi”.

Os investigadores destacaram no relatório que análises periciais e de auditoria da PF e da Controladoria-Geral da União (CGU) “confirmam integralmente” os fatos narrados pelos ex-sócios “no que tange ao efetivo interesse dos empresários em se aproveitar financeiramente da área, retirando maior quantidade de minério, em desacordo com o previsto no PRAD, dentre outras condutas ilícitas, as quais restaram reiteradamente praticadas, até o presente ano de 2025”.

Em nota, Lucas Kallas disse que sua inclusão no inquérito “é completamente descabida”. Ele ressaltou que a operação “tem como principais fundamentos fatos relacionados aos anos de 2023-2025”, oito anos após ter encerrado sua relação com o Grupo empresarial Green Metals/Empabra. “O empresário foi sócio-investidor da Green Metals entre 2012 e maio de 2018, sendo que a Green Metals somente adquiriu a Empabra em 2016. Kallas nunca ocupou cargo na gestão da Empabra.  Até a saída de Kallas, em maio de 2018, as atividades eram regulares e com as autorizações vigentes, conforme fiscalizações realizadas pelo MPMG e pelas secretarias municipal e estadual”, defendeu.

 À frente da direção da Empabra desde 2022, Luis Fernando Francischini  afirmou que a empresa realizou “apenas obras de segurança e estabilidade da mina Granja Corumi, conforme determinação da ANM, com aprovação do órgão ambiental estadual, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM)”. De acordo com o empresário, as manutenções e intervenções na mina foram autorizadas pelo poder público e contaram com fiscalizações recorrentes. “O mencionado inquérito está em segredo de Justiça, o que nos impede de ter conhecimento do todo e poder comentar seu conteúdo.”

A Empabra destacou que “sempre pautou sua atuação pelo rigoroso cumprimento das leis e normas ambientais, operando com total conformidade e respaldo legal” e que todas as ações realizadas na mina Corumi entre 2012 e 2018 foram devidamente autorizadas. A empresa disse que atua “para promover o fechamento definitivo” da mina “com o firme propósito de transformar a área em um corredor ecológico”.

A ANM publicou uma nota informando que está “colaborando com as autoridades” e “cumprindo todas as determinações judiciais” e destacou que “por se tratar de um processo que corre em segredo de justiça, não pode fornecer detalhes específicos sobre a investigação”. A Pública tentou contato por email com o empresário Bruno Henriques, mas não obteve resposta até o momento. A reportagem não conseguiu localizar Leandro Carvalho e Claudinei Cruz. O espaço segue aberto e será atualizado tão logo haja manifestação.

Destruição em patrimônio histórico mineiro

O PRAD foi firmado pela Empabra junto ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) após o tombamento da Serra do Curral e aprovado pelo Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam) em 2008. O objetivo era que a empresa realizasse a reparação da área em quatro anos. No entanto, a PF constatou que as condutas adotadas a partir de 2014 “viabilizaram a completa devastação da mina Corumi” e deixaram a região “em pior estado do que se encontrava”.

Relatório da Polícia Federal evidencia o nível de destruição registrado na Serra do Curral.

De acordo com a PF, a partir daquele ano, a Empabra passou a extrair ilegalmente uma “enorme quantidade de minério”, motivo pelo qual formou-se uma grande cava. Para justificar a degradação, a companhia teria apresentado documentos falsos à ANM, alegando que o “enorme buraco” era consequência de “medida reparatória”.

Segundo auditoria da CGU, a Empabra expandiu a exploração para fora da área de seu título minerário, também amparado na suposta necessidade de execução do PRAD. A extração, que perdurou por dez anos, foi tamanha que, segundo as investigações, provocou a contaminação do lençol freático, a destruição de nascentes e a movimentação de minério fora dos limites autorizados.

Em 2024, a operação minerária foi “abandonada”, a cava principal foi “fraudulentamente soterrada”, e a pilha de rejeitos está em estado de instabilidade, “o que gerará novas medidas emergenciais”, segundo a PF.

A partir de documentos extraídos em processos da ANM, a PF apontou suspeitas sobre o envolvimento de geólogos contratados pela Empabra, que teriam elaborado “pareceres com dados falsos, enganosos e incompletos, possibilitando condutas fraudulentas e a perpetuação da empresa na mina, inclusive alegando como emergência situações que apenas viabilizaram retorno econômico ao seus contratantes”.

As suspeitas dos investigadores também recaem sobre os servidores da ANM Leandro César Ferreira de Carvalho e Claudinei Oliveira Cruz. Segundo a PF, eles teriam emitido pareceres favoráveis à Empabra, “omitindo a verdade e sonegando informações relevantes”, durante fiscalização e em processos judiciais, mesmo diante de denúncias de irregularidades. A investigação aponta ainda que as condutas dos servidores “levantam suspeitas de práticas dos delitos de peculato, corrupção e/ou advocacia administrativa”.

“O conjunto probatório levanta fundadas suspeitas de que a facilitação, por agentes públicos, das práticas ilegais identificadas, envolvendo a exploração indevida de recursos naturais, possivelmente ocorreu mediante oferecimento e recebimento de vantagens indevidas entre empresários do setor e funcionários públicos, respectivamente, condutas tipificadas nos artigos 333 [crime de corrupção ativa] e 317 [crime de corrupção passiva] do Código Penal”, diz o relatório da PF.

Os agentes suspeitam que os servidores da ANM teriam recebido propina, com base em relatórios de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). O órgão identificou movimentações atípicas nas contas dos servidores e de suas esposas.

A esposa de Carvalho teria recebido R$ 2 milhões em espécie, entre dezembro  de 2020 e janeiro de 2025. Já Cruz, movimentou, entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2023, R$ 1,1 milhão e sua esposa recebeu, de primeiro a 31 de setembro de 2022,  R$ 121,6 mil através de 43 depósitos com valores de até R$10 mil – os investigadores também identificaram que ela fez pagamentos de boletos em lotérica com dinheiro em espécie, durante todo o ano de 2024, em valor de quase R$170 mil.

Os dois servidores tiveram o afastamento cautelar solicitado pela PF. A Operação Parcours cumpriu 14 mandados de busca e apreensão em Belo Horizonte, São Paulo, Brasília e Matupá (MT). Os investigadores também solicitaram o sequestro de bens de empresários e empresas direta e indiretamente relacionadas à exploração na mina Corumi, dentre eles, Henriques, Franceschini e Kallas.

Cerimônia de assinatura do contrato de concessão do Terminal ITG-02 do Porto de Itaguaí

Empresário recebeu elogios públicos de Lula: “empresário sério, que ama o Brasil”

A nomeação de Alexandre Silveira ao Ministério de Minas e Energia abriu as portas do governo federal a Lucas Kallas. Em 2023, o empresário foi convidado a participar do “Conselhão”, criado com objetivo de “assessorar o presidente da República na formulação de políticas e diretrizes destinadas ao desenvolvimento econômico social”.

Em fevereiro de 2025, Kallas assinou contrato de concessão da área ITG-02, do Porto de Itaguaí (RJ). O Grupo Cedro, que tem entre seus negócios a Cedro Mineração, projeta investimentos de R$ 3,6 bilhões na área, que será destinada à construção de um terminal de armazenagem e movimentação de graneis sólidos minerais.

Durante o evento de assinatura do contrato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disparou elogios a Kallas: “Tem uma visão séria e acredita e torce pelo crescimento do Brasil. Nem todos empresários pensam assim, tem uns que pedem as coisas e ainda saem falando mal do governo. Nunca agradecem o que receberam”.

“Eu aprendi com a minha mãe que quando a gente quer saber se a pessoa é honesta e trabalhadora, a gente não tem que prestar atenção na boca, a gente tem que prestar atenção nos olhos. E o companheiro Lucas, desde que foi levado à minha sala dizendo que queria fazer investimentos em mineração do país, descobri na hora que estava conversando com um empresário sério, que ama o Brasil, torce pelo crescimento do Brasil”, acrescentou Lula.

A reportagem procurou a assessoria de imprensa da presidência da República para comentar sobre a investigação do membro do “Conselhão” e sobre os elogios do presidente ao empresário, mas não obteve retorno.

Não é a primeira vez que Kallas é alvo da PF. Em 2008, ele foi preso na Operação João de Barro, acusado de envolvimento em um esquema milionário de desvio de recursos públicos por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no governo Lula. Kallas destacou à Pública que “os fatos já foram devidamente esclarecidos na Justiça, restando apenas uma ação em andamento”. “Todas as demais já foram encerradas, com total reconhecimento de inocência”, acrescentou.

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