Garimpo em Cristalina: especialista diz quanto vale minério de ferro

Localizada a 150 quilômetros do Distrito Federal, Cristalina (GO) sempre conviveu com o garimpo na região, mas tem visto a atividade crescer para além do esperado. O interesse agora seria não só nos cristais, mas também no óxido de ferro, o que desperta curiosidade sobre três questões: para que servem esses materiais; quem são os compradores; e o que vem sendo feito com essas matérias-primas da União.

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Cristalina é conhecida pelo garimpo de cristais

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Garimpeiros e lapidários reclamam de operação policial

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Cristal com óxido de ferro vem sendo vendido em larga escala na região

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Allisson Gotardo Feitosa da Silva, delegado-chefe da Delegacia de Cristalina

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Aguinaldo Matos, 56 anos

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Aguinaldo trabalha com garimpo e lapidação há mais de três décadas

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Pedra de cristal lapidada por Aguinaldo

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Lapidação de pedra de cristal

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Willian Souto é vice-presidente da Associação dos Artesãos, Garimpeiros e Mineradores de Cristalina

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Fachada do Mercado do Cristal, em Cristalina (GO)

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Cristais vendidos no Mercado do Cristal

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Ao revelar o caso no último fim de semana, o Metrópoles ouviu um especialista para entender o que pode estar por trás do aumento do garimpo em Cristalina e da venda desses materiais. Primeiro, o engenheiro de minas Roberto Ulisses fala sobre o óxido de ferro, produto cuja venda vem aumentando no município goiano.

“O óxido de ferro é uma combinação dos elementos químicos ferro e oxigênio em proporções definidas. É o elemento básico que compõe o minério de ferro”, define Ulisses. “São basicamente dois tipos de óxido de ferro que compõem o minério de ferro, o Fe2O3 e o Fe3O4.”

Roberto Ulisses, que é coordenador nacional de câmaras de engenharia de minas e geologia no DF junto ao Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), explica que há dois tipos de minérios de ferro que podem ser lucrativos. “Os minérios de ferro economicamente viáveis são a hematita e a magnetita, que têm cerca de 70% de ferro. Existem outros que não são óxidos, mas sim hidróxidos, como a goethita e a limonita, mas que não são tão valiosos.”

“Hoje, uma tonelada de minério de ferro com teor de 70% a 80% de ferro custa em torno de US$ 100”, calcula o especialista. “Esse valor oscila, é lógico, em função de oferta e demanda mundial”, alerta.

No entanto, Roberto Ulisses aposta que, se há de fato pessoas de outros estados brasileiros e até do exterior adquirindo minério de ferro garimpado em Cristalina (GO), o interesse é no quartzo, e não no óxido de ferro. “Eu não acredito que estejam comprando minério de ferro, mas sim o cristal de quartzo, porque o quartzo tem maior valor econômico e possui várias aplicações nas indústrias ótica, médica, eletroeletrônica, construção civil…”, opina.

“Uma tonelada de cristal de quartzo vale muito mais do que uma tonelada de minério de ferro”, avalia.

Renda de R$ 2 mil por semana

O vice-presidente da Associação dos Artesãos, Garimpeiros e Mineradores de Cristalina, Willian Souto, avalia que o minério de ferro esteja sendo vendido mais caro do que calcula o especialista. Atualmente no município goiano, estima-se que um quilo do óxido de ferro esteja custando cerca de R$ 30, e que cada garimpeiro seja capaz de extrair até 10 quilos diariamente. A partir dessa conta simples, deduz-se um lucro de R$ 300 por dia; mais de R$ 2 mil por semana; e mais de R$ 8 mil por mês. Sem contar o garimpo e a venda do cristal, que continua.

“Desde o ano passado, a gente vem tendo uma procura muito grande pelo óxido de ferro. É um material muito fácil de ser extraído, porque ele ‘dá’ quase no solo, a menos de dois metros de profundidade”, explica Willian Souto. “Assim, passamos a ter não só os garimpeiros que já atuavam, mas também profissionais que deixaram seus trabalhos rumo ao garimpo”, conta.

O presidente da associação atesta que Cristalina passou a receber até mesmo pessoas de outras regiões, dada a facilidade de escavação do óxido de ferro e a oportunidade de venda do material. “Acaba que sai um pouco do controle”, pontua Souto.

15 toneladas

Os números acima podem induzir um bom lucro individual, indicar uma oportunidade profissional e justificar o aumento do garimpo em Cristalina. Mas, como dito anteriormente, o aumento do garimpo vem sendo maior do que se imagina, quebrando recordes de toda a história de Cristalina. Em 10 de maio, por exemplo, a Polícia Militar de Goiás (PMGO) apreendeu mais de 15 toneladas de minerais em uma residência na região, quantidade jamais vista em posse de uma só pessoa no município. O produto foi avaliado em R$ 500 mil pelas autoridades, e um homem foi preso em flagrante porque não possuía autorização para a extração do minério.

“Alguns dias após a operação [que prendeu mais de 70 pessoas acusadas de garimpo ilegal e invasão de propriedade privada], tivemos a prisão em flagrante de um indivíduo que tinha em sua posse cerca de 15 toneladas de cristais. Figurou-se, então, o crime de usurpação de matéria-prima da União”, explica o delegado-chefe da Delegacia de Polícia de Cristalina (GO), Allisson Gotardo. “Os autos foram remetidos para a Justiça Federal, onde também será dada a destinação adequada ao material”, conta Gotardo.

População questiona

A batida policial gerou sentimento de injustiça nos moradores de Cristalina. Os garimpeiros, lapidários e integrantes da Associação de Artesãos, Garimpeiros e Mineradores apontam que garimpo é tradição secular da cidade e reclamam da dificuldade de regularização.

O lapidário Aguinaldo Matos, 56 anos, acredita que a maioria das pessoas presas sequer sabia da necessidade de autorização para o garimpo. “São cidadãos que trabalham de maneira artesanal, com uma enxadinha, catando cristaizinhos por cima [do solo]”, aponta. “Imagina só esse rapaz que foi preso e está proibido de garimpar. Como vai ser para ele cuidar da família, alimentar os filhos?! Isso é muito preocupante”, diz o profissional.

“A lei tem de ser cumprida, mas as pessoas que vivem nessa atividade cultural deveriam primeiramente serem informadas, orientadas, e não houve esse devido cuidado”, lamenta Aguinaldo.

Aguinaldo admite que está com medo a partir da recente operação policial. “Trabalho com lapidação artesanal, tenho muitas pessoas na família que ainda vivem do garimpo”. “É difícil você ser colocado como bandido por exercer uma atividade cultural, que vem de geração em geração”, declara.

O lapidário acredita que a invasão a propriedade privada apontada pela PCGO na operação do último dia 7 tenha sido realizada por visitantes. “Quem fez isso são pessoas de fora, de outra cidade, aproveitando o bom momento do garimpo para poder ganhar dinheiro. Correu a notícia de que o garimpeiro estava ganhando um valor X por dia e despertou o interesse dessas pessoas”, aposta Aguinaldo.

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