Apesar de estar entre os 10 tipos de tumores mais comuns no Brasil, o câncer de esôfago ainda costuma receber menos atenção do que outros tipos da doença. Um dos seus fatores de risco é o refluxo, uma condição digestiva corriqueira para muitas pessoas.
Frequentemente tratado com medicamentos de uso contínuo, ele nem sempre é inofensivo, como descobriu Georges Michel Sobrinho, de 82 anos. O morador de Brasília conviveu com azia e acidez estomacal por quase metade da vida. “Tomei remédio a vida inteira para conter essa questão do refluxo e da azia”, conta o jornalista aposentado.
Os primeiros sinais de que algo não estava certo surgiram no início de 2024. “Comecei a sentir que, ao engolir, parecia que a comida não descia bem. Algo estava errado”, lembra.
O que é o refluxo?
O refluxo gastroesofágico é uma condição digestiva em que o conteúdo do estômago volta para o esôfago de forma involuntária e repetida.
Os sintomas mais comuns incluem: azia, queimação no peito (que pode se assemelhar a uma dor intensa), náuseas, dor no estômago, regurgitação e engasgos.
O problema ocorre por uma falha no esfíncter esofágico inferior, a válvula natural que separa o estômago do esôfago e evita esse retorno.
Entre os principais fatores de risco estão o excesso de peso, maus hábitos alimentares, consumo de bebidas alcoólicas e gaseificadas (como refrigerantes), cafeína e o tabagismo.
O tratamento envolve mudanças no estilo de vida, como: perder peso, fracionar as refeições, evitar ingerir líquidos durante as refeições, restringir alimentos que agravam os sintomas e não se deitar por pelo menos duas horas após comer.
Georges buscou vários médicos em Brasília, mas seguia recebendo orientações para continuar com o uso de remédios para reduzir a produção de ácido no estômago. Nenhum dos tratamentos melhorava os sintomas.
Foi em uma consulta com um cardiologista a luz de alerta acendeu. “O médico perguntou sobre minhas fezes e eu expliquei que estavam escuras. Então, ele falou que eu poderia estar tendo algum tipo de hemorragia”, conta. Com o apoio da família, Georges passou por uma endoscopia. O exame revelou um tumor de 5 centímetros no esôfago.
O diagnóstico foi confirmado com um PET scan, exame de imagem que permite detectar áreas com maior atividade metabólica, como as células cancerígenas. A partir dali, veio o tratamento.
“Todos recusavam me operar”
Georges passou por 25 sessões de radioterapia e cinco de quimioterapia. O tumor diminuiu, mas não o suficiente para dispensar a cirurgia. O problema é que, com 81 anos à época, ele ouviu de diversos cirurgiões que a operação seria arriscada demais. “Os médicos diziam que não era para operar, que era melhor seguir com quimioterapia. Mas eu queria resolver”, conta.
Foi então que ele viajou para São Paulo, onde passou por uma cirurgia de oito horas feita com auxílio de um robô. A recuperação surpreendeu Georges: “Fiquei 12 dias no hospital, nenhum de dor. Nem pós-cirúrgica”, afirma.
A técnica utilizada foi a cirurgia robótica, minimamente invasiva, feita por pequenas incisões. “O sistema robótico permite que o cirurgião opere com mais precisão e controle. É uma abordagem muito benéfica especialmente nos casos de cânceres gastrointestinais avançados”, explica o cirurgião do aparelho digestivo Flávio Takeda, da Rede D’Or, que operou Georges.
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Georges conviveu com azia e acidez estomacal por quase metade da vida
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A cirurgia robótica é uma abordagem moderna e menos invasiva para tratar o câncer de esôfago. Com o auxílio de um sistema automatizado, permite a remoção precisa do tumor, reduzindo os riscos e acelerando a recuperação do paciente.
Imagem cedida ao Metrópoles/Hospital Barra D’Or
Durante o procedimento, parte do esôfago foi removida. Como consequência, Georges perdeu o esfíncter inferior — uma válvula que separa o estômago do esôfago e impede que o ácido gástrico suba. Com isso, ele ainda tem episódios de refluxo, mas sem azia. “Hoje como de tudo, até pimenta. Em maio completa um ano da cirurgia e está tudo bem”, declara.
Refluxo não é sempre inofensivo
Segundo Takeda, cerca de 20% dos cânceres de esôfago são causados pela doença do refluxo. Um dos principais fatores de risco é o chamado esôfago de Barrett — uma condição em que o tecido do esôfago é substituído gradativamente por células semelhantes às do estômago.
“Isso acontece como uma forma de o corpo tentar se proteger da inflamação constante. Mas com o tempo, essa adaptação pode levar à metaplasia intestinal, que aumenta o risco de câncer”, explica o cirurgião.
O esôfago é um tubo que conduz alimentos da boca até o estômago. Na base dele, o esfíncter funciona como uma porta que deve se fechar após a comida passar.
Mas maus hábitos alimentares, excesso de peso, tabagismo e consumo excessivo de álcool podem interferir nesse mecanismo, permitindo que o ácido gástrico suba e agrida a parede do esôfago. Com o tempo, essa agressão constante causa alterações celulares.
“Não é todo mundo que tem refluxo que vai desenvolver câncer, mas é um fator de predisposição importante”, alerta Takeda.